Sistema Único de Saúde do Brasil: Entrevista com Gustavo Gusso

Considerado um marco legal, sanitário e social brasileiro, o SUS é fruto da redemocratização no Brasil – e uma das poucas nações com mais de 100 milhões de habitantes a ter um sistema público e universal de saúde, o que torna o SUS motivo de grande orgulho.

Baseado nos princípios da universalidade, equidade e integralidade, o SUS é gerido pelo Ministério da Saúde, que formula as políticas nacionais de saúde. Aos estados e municípios, atuando de forma intersetorial em parceria com a sociedade civil organizada e iniciativa privada, compete a implementação dessas políticas. 

E os resultados são positivos para todas as pessoas: o SUS contribuiu significativamente para o aumento da expectativa de vida de quem vive no Brasil e para a redução da taxa de mortalidade infantil, dois indicadores fundamentais para o contexto de saúde de uma população.

Apesar das conquistas notáveis e de ser considerado referência nos programas de vacinação, transplantes de órgãos, saúde da família e cuidado com as pessoas com HIV/Aids, o SUS ainda enfrenta inúmeros desafios. 

Para Gustavo Gusso, médico da família e comunidade e professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade de São Paulo, um desses desafios é a necessidade de melhorar a coordenação entre a atenção primária e secundária, eliminando barreiras na comunicação e no direcionamento de pacientes. “Ainda há uma lacuna enorme nos processos, uma dinâmica que não direciona corretamente os pacientes e uma comunicação precária entre os diferentes níveis de atendimento. Para estabelecer melhores parcerias é preciso responsabilizar  tanto quem direciona (atenção primária) quanto quem recebe e contrarreferencia  o paciente (atenção secundária)” aponta o médico. 

fonte: https://aps.saude.gov.br/noticia/16496 

Além disso, Gusso destaca a importância de envolver especialistas na atenção primária para otimizar a gestão da demanda e afirma que a fila também precisa figurar na responsabilidade desses especialistas, “que precisam ser estimulados a descer na atenção primária para capacitar, matriciar e colaborar, caso contrário os especialistas não têm interesse em dar alta e abrir novas vagas nas agendas”  segundo o professor. 

Outro desafio apontado é a digitalização assertiva: “além da implantação de prontuários eletrônicos, os profissionais da saúde precisam receber informações relevantes sobre suas práticas. Não apenas relatórios pré-formatados, mas a possibilidade de gerar relatórios de acordo com a demanda local.” O médico aponta que o motivo é fundamental, já que a  “disponibilidade de informação e dados é crucial para que o profissional tenha motivação para registrar de forma adequada, e o paciente tenha fácil acesso aos seus dados.”

Gusso também levanta a questão da formação como desafio crescente devido à criação de muitas faculdades de medicina. Para ele, a residência médica deveria ser mandatória e, apesar de haver recursos para isso, a falta de vontade política é um obstáculo. “A residência não é apenas formativa, mas ordenadora de recursos, já que aponta aos recém formados as necessidades do sistema. 

Na Europa e Canadá, aproximadamente 40% de todas as vagas de residência vão para a medicina de família e comunidade. Ou seja, quem escolhe medicina já sabe na entrada que tem 40% de chance de trabalhar na atenção primária.” Além dos desafios citados, Gusso aponta que há outros problemas relacionados à estrutura, incorporação de tecnologia, contratação de serviços privados, financiamento e municipalização. 

A municipalização, em particular, é um tema de amplo debate, já que a maioria dos municípios enfrenta limitações para fornecer uma rede de serviços de saúde complexa, o que “faz com que haja alta rotatividade dos profissionais, com prejuízo relevante à saúde das pessoas, dos próprios profissionais e do sistema de saúde como um todo” segundo o médico. De acordo com o profissional, “a maioria dos grandes países têm estruturas ligadas aos governos estaduais porque a saúde exige mutualidade e uma rede de serviços complexas que a maioria dos municípios não consegue prover”. Entretanto, o mesmo pontua: “tem sido difícil fomentar esta discussão por ser algo muito arraigado no SUS. Os trabalhadores não são organizados e o principal mecanismo de protesto ou de expressão de insatisfação é mudar de emprego.”

Para Gusso, países europeus como Inglaterra, Portugal, Espanha, além de países nórdicos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia possuem sistemas públicos de saúde que podem servir como inspiração para o aprimoramento do SUS. Eles se destacam pela “atenção primária forte, com médicos bem formados na ponta e mecanismos de fixação destes profissionais que, em geral, passam por mais autonomia do que é oferecido no Brasil”. Outro ponto positivo destacado reside na “regulação na formação médica através da residência” e em uma “digitalização assertiva”.

Para um bom funcionamento do sistema público de saúde, é preciso o comprometimento de muitos atores-chave. Para o médico e professor, a sociedade civil figura como um dos principais atores, seguida de gestores federais, estaduais e municipais, órgãos como o CONASS e CONASEMS, a rede de profissionais que atuam na linha de frente, as organizações sociais e, também, os hospitais filantrópicos.

Por outro lado, Gusso assume que as pessoas que vivem no Brasil também precisam ser demandantes, em especial da qualidade contínua nos fluxos de cuidado, desde o agendamento, consultas, referência e contrarreferência, registros, até o recebimento dos dados em relatórios acessíveis. 

fonte: https://www.tst.jus.br/-/aten%C3%A7%C3%A3o-prim%C3%A1ria-%C3%A0-sa%C3%BAde-saiba-mais-sobre-o-significado-dos-termos-refer%C3%AAncia-e-contrarrefer%C3%AAncia

Quem é Gustavo Gusso?

Gustavo Gusso possui Graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo, Residência em Medicina de Família e Comunidade pelo Grupo Hospitalar Conceição, Mestrado em Medicina de Família pela University of Western Ontário e Doutorado em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo. É membro efetivo do Wonca International Classification Committee. Como editor do Tratado de Medicina de Família e Comunidade conquistou o primeiro lugar do prêmio Jabuti na categoria Ciências da Saúde. É Professor Doutor do Departamento de Clínica Médica da Universidade de São Paulo onde implantou a residência de medicina de família e comunidade e a disciplina de medicina de família e comunidade do quinto ano. Atualmente é coordenador desta disciplina, que foi a melhor avaliada pelos alunos em 2022.

*entrevista realizada via e-mail