Como a publicidade infantil contribui para o consumo de ultraprocessados?

Crédito: Tony Oliveira/Agência Brasília

A publicidade é uma das ferramentas mais utilizadas pela indústria alimentícia para estimular o consumo de refeições prontas e outros processados e ultraprocessados na vida cotidiana das pessoas. Entre o público consumidor desse tipo de alimento está o infantil, suscitando preocupações sobre o seu impacto na saúde e desenvolvimento das crianças.

Publicidade infantil é qualquer comunicação mercadológica direcionada às crianças, conforme o Instituto Alana, organização da sociedade civil voltada aos direitos das crianças e adolescentes. As campanhas publicitárias para esse público são criadas para captar a atenção e despertar emoções, frequentemente usando cores vibrantes, personagens de desenhos animados, recursos sonoros e musicais, entre outros recursos, para envolver e criar conexões emocionais com os produtos e suas marcas. 

A exposição constante de crianças à publicidade de alimentos processados e ultraprocessados incentiva o desejo de consumi-los, especialmente quando associados a brincadeiras e outras atividades costumeiramente desempenhadas por crianças, com destaque para aquelas em grupo – como intervalos no colégio, encontros em parques e jogos coletivos. 

A evolução da publicidade infantil e as leis que regulam a promoção de alimentos ultraprocessados

Crianças são um público suscetível e influenciável devido à natureza intrínseca da idade. A publicidade dirigida ao público infantil utiliza uma série de estratégias para envolvê-las em suas campanhas publicitárias e o consumo de processados e ultraprocessados é geralmente associado a sentimentos de felicidade, diversão e aceitação social, criando conexões emocionais, sociais e afetivas com as crianças. 

Entre as várias táticas utilizadas para atrair a atenção do público infantil estão a distribuição de brinquedos colecionáveis – muitos deles representações de personagens de desenhos animados, super-heróis e celebridades admiradas por crianças – e embalagens chamativas com o uso desses mesmos recursos imagéticos, bem como músicas e efeitos sonoros próprios ao universo infantil.

A publicidade ainda costuma apresentar os processados e ultraprocessados como algo divertido e associado aos momentos de lazer e felicidade, com marcas patrocinando  eventos, anúncios em canais de televisão e outras mídias para reforçar a presença e a exposição desses produtos às crianças e ao seu universo. 

Embora a regulamentação da publicidade infantil seja objeto de debates e controvérsias, no Brasil ela tem evoluído ao longo dos anos com uma série de normatizações governamentais e autorregulação: algumas indústrias alimentícias voluntariamente assumiram compromissos para limitar a propaganda dirigida às crianças. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece diretrizes que incluem a exposição do público infantil às mídias. O Código de Defesa do Consumidor também inclui dispositivos relacionados à publicidade infantil. Já o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) estabelece princípios éticos para a publicidade infantil. Em 2010, a Anvisa também tentou regulamentar aspectos da propaganda para crianças, mas foi contestada judicialmente. 

Produtos ultraprocessados e a obesidade infantil

Dados de 2023 reunidos pelo Panorama da Obesidade Infantil do Instituto Desiderata – iniciativa apoiada pela Umane – mostram que 30,8% das crianças e jovens brasileiros até 19 anos estavam acima do peso, praticamente uma a cada três pessoas. O estudo também acompanha o consumo de diferentes produtos processados e ultraprocessados para essa faixa etária.

Consumo de produtos
Faixa etáriaUltraprocessadosBiscoitos/GuloseimasBebidas adoçadas
6 meses aos 2 anos39%23%24%
2 aos 4 anos81%58%61%
5 aos 9 anos85%61%66%
10 aos 19 anos82%54%64%


Fonte: Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) 2023

Ricos em sódio, açúcares e gorduras, mas pobres em nutrientes, os ultraprocessados se tornaram parte da dieta diária de muitas crianças e adolescentes. A falta de saciedade proporcionada por muitos dos produtos processados e ultraprocessados, embora altamente calóricos, pode levar ao seu consumo excessivo e criar um ciclo vicioso que contribui para o surgimento do sobrepeso e obesidade. 

A obesidade é uma condição complexa que pode acontecer por uma série de fatores. Entretanto, o consumo de processados e ultraprocessados está intrinsecamente ligado ao sobrepeso infantil. O enfrentamento ao crescente problema do excesso de peso em crianças e adolescentes requer abordagens em diferentes frentes, sendo a promoção de uma cultura alimentar saudável o seu eixo elementar. Crianças devem ser ensinadas desde pequenas a importância de uma dieta equilibrada e baseada em alimentos in natura. A escola pode desempenhar um papel importante na promoção desses hábitos alimentares. 

A publicidade infantil, especialmente aquelas feitas pela indústria alimentícia, precisa ser objeto de regulamentação que estabeleça limites e preceitos éticos para a propaganda direcionada às crianças. O poder público, por outro lado, deve criar políticas públicas que facilitem o acesso e consumo de alimentos frescos e saudáveis, inclusive com subsídios e taxações seletivas.

O incentivo à prática de esportes e à adoção de hábitos mais saudáveis também tem papel importante na prevenção do sobrepeso e obesidade. Crianças devem ser incentivadas a se exercitar com brincadeiras e outras atividades lúdicas, especialmente ao ar livre, e a oferta de esportes para jovens e adolescentes deve fazer parte do planejamento familiar. 
Adotar hábitos saudáveis e consumir alimentos frescos, in natura, desde jovem é fundamental. Afinal, muitas pessoas com obesidade na vida adulta começaram a desenvolver a condição ainda na infância.