
As mudanças climáticas são mais um desafio para a saúde e a promoção do bem-estar. Eventos extremos – ondas de calor, secas, inundações, furacões e incêndios florestais – estão se tornando mais frequentes e intensos. A histórica enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio deste ano é um exemplo do impacto significativo de acontecimentos assim, afetando tanto a saúde física quanto a mental das populações atingidas. E isso não está restrito a uma única região: a Agência Pública apurou que 73% dos brasileiros vivem em áreas com risco de alagamentos e outros problemas relacionados à chuva.
Os impactos dessas emergências climáticas não atingem igualmente a população. Idosos, crianças, pessoas com doenças crônicas, comunidades de baixa renda e minorias étnicas, entre outros exemplos de populações vulneráveis, são desproporcionalmente afetados. A falta de acesso a recursos e serviços de saúde aumenta essas desigualdades, tornando ainda mais difícil a reparação dos danos causados.
A resposta a emergências climáticas e como lidar com as suas consequências são um desafio para o poder público, exigindo esforço coordenado de diferentes atores sociais – governos, especialistas em saúde, pesquisadores do clima e organizações da sociedade civil. Para apoiar a tomada de ação, apresentamos abaixo os impactos de eventos climáticos extremos na saúde e um panorama das políticas nacionais para preparo e resposta a esses tipos de situação.
Os riscos das emergências climáticas para a saúde
Eventos extremos contribuem para o aparecimento de doenças, além de agravarem condições clínicas pré-existentes. Os impactos na saúde mental também não podem ser ignorados. Abaixo, algumas doenças que podem surgir ou serem agravadas devido aos eventos climáticos extremos:
- Doenças respiratórias e cardiovasculares: A qualidade do ar piora significativamente durante eventos climáticos extremos, como incêndios florestais e ondas de calor, aumentando a concentração de poluentes atmosféricos. Isso pode agravar condições respiratórias, como asma e doenças pulmonares, além de aumentar o risco de doenças cardiovasculares;
- Doenças infecciosas: As inundações e a elevação das temperaturas podem facilitar a propagação de doenças transmitidas por vetores, como ratos e mosquitos. Além disso, a contaminação da água durante enchentes pode levar a surtos de doenças gastrointestinais.
- Estresse e ansiedade: A experiência de vivenciar emergências climáticas pode gerar estresse agudo e crônico. A incerteza e o medo durante eventos extremos aumentam os níveis de ansiedade.
- Depressão: Sobreviventes de desastres naturais muitas vezes enfrentam depressão e transtorno de estresse pós-traumático. A perda de entes queridos, casas e outros bens pode ter um impacto duradouro na saúde mental.
- Trauma: Muitas vezes, as emergências climáticas resultam em deslocamento forçado, com famílias sendo obrigadas a deixar suas casas e comunidades. Esse deslocamento pode causar traumas psicológicos, especialmente em crianças.
A devastação causada por eventos climáticos extremos também se transforma em problema de saúde pública quando contribui para acidentes como afogamentos, traumas físicos – como fraturas e cortes – e a interrupção de serviços médico-hospitalares em função de danos na infraestrutura ou remoção forçada de pacientes internados.
A realidade brasileira: a saúde pública está preparada para emergências?
Desde 2014, o Brasil possui um Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública, criado pelo Ministério da Saúde com o objetivo de guiar a atuação da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), fortalecendo a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) no enfrentamento desses tipos de cenários. O documento estabelece, entre outros protocolos, a ativação de um Centro de Operações de Emergência em Saúde (COE) para coordenar as ações de resposta, incluindo a mobilização de recursos e a articulação entre as três esferas do SUS.
Já o Guia para Elaboração de Planos de Contingência, lançado em 2024, norteia a elaboração de planejamentos para enfrentar emergências em saúde pública, com base em melhores práticas nacionais e internacionais. O material contempla dengue, febre amarela, influenza, hantavirose, leishmaniose visceral e desastres ambientais, como inundações e secas.

A Fiocruz também lançou publicações voltadas ao enfrentamento dessas emergências, um específico sobre Desastres Naturais e Saúde Pública, publicado em 2015. Em 2018 lançaram o Guia de Preparação e Respostas do Setor de Saúde aos Desastres.
Em comum, esses documentos preveem as responsabilidades de cada ator envolvido no enfrentamento às emergências de saúde, as prioridades e ações para mitigar as consequências desse tipo de evento.
Há também iniciativas de outros países que podem ser replicadas no Brasil, diminuindo as perdas materiais e humanas frente aos desastres causados pelas emergências climáticas. A barreira no rio Tâmisa, em Londres, por exemplo, protege a capital inglesa do fluxo das marés e inundações fluviais.
Políticas públicas e mudanças climáticas: um olhar para o futuro
Como exposto, há farta documentação e soluções testadas em outros locais que minimizam as consequências das emergências climáticas, um perigo à saúde pública em âmbito global. Mas, além de colocá-las em prática, é necessário torná-las “à prova de futuro”: antecipar-se na prevenção e manejo de tragédias relacionadas ao clima.
Na saúde, a formulação de políticas públicas de mitigação de desastres decorrentes dos eventos climáticos extremos precisa contemplar as desigualdades sociais, seu espalhamento territorial e o planejamento do espaço urbano. Afinal, pessoas de baixa renda ou comunidades minoritárias são frequentemente os mais afetados e os menos equipados para lidar com as consequências dos desastres climáticos.
O debate e formulação de políticas públicas que contribuam para minimizar os efeitos de eventos climáticos extremos precisa abordar o problema em suas múltiplas dimensões, isto é, não deve ficar circunscrito à criação de infraestruturas que reduzam seu impacto destrutivo. É fundamental que seja colocado em debate as causas desses eventos, como a emissão de gases de efeito estufa e degradação ambiental.
Para a Umane, é fundamental que as mudanças climáticas pautem o debate em saúde pública, com foco em ações que impactem diretamente a Atenção Primária à Saúde (APS), porta de entrada do SUS. Nesse sentido, é fundamental a reorganização dos fluxos de atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e a adequação do tamanho das equipes profissionais para garantir um atendimento eficiente e adequado das demandas da rotina, somado aos cuidados advindos das mudanças climáticas extremas, como doenças causadas por enchentes, temperaturas elevadas e secas.
Outras frentes de ação importantes são a educação em saúde, tema extremamente basilar quando se trata de fortalecer o autocuidado e contribuir para uma cultura de bem-estar no país; e a comunicação em saúde, com estratégias para informar e influenciar indivíduos, comunidades e instituições a respeito da promoção de boas práticas de prevenção e cuidado.